Gozou, levantou e foi ao banheiro. A mijada foi um alívio. Passara
minutos com a bexiga explodindo, mas o orgasmo parecia mais importante do que
uma ida à privada. Voltou ao quarto do motel e deu de cara com o enorme espelho,
cheio de manchas de mofo e infiltração, que ocupava toda a parede ao lado
esquerdo da cama. Não estava preparado.
Seu próprio corpo estava ali, encarando-o de volta, quase
julgando a si próprio. Por um momento, teve a impressão de que a cicatriz da
apendicite e o umbigo formavam uma expressão de desaprovação. Era estranho ver
as formas que seu corpo tomava com o tempo e os ataques noturnos à geladeira. Quando foi que essa pança e esses peitos
ficaram tão grandes? E por que diabos meu pau fica tão menor quando tá mole? Se
alguém me visse agora, ia achar que esse é o tamanho normal!
- Gente, por que as pessoas reclamam TANTO no Facebook?
Duvido que metade dessa gente pense mesmo nesses “problemas” – a voz vinha da
cama.
O namorado, de cueca, fumava, mexia no celular e reclamava,
sem saber de um décimo do que acontecia a poucos centímetros dele. Sua maior
batalha no momento era com seus seguidores. A neura do outro abafava qualquer
som externo, e a pergunta do namorado bateu na parede e morreu no chão.
Foi até a cabeceira, pegou o celular e tirou várias fotos na
frente do espelho. Parecia esperar que elas revelassem alguma coisa escondida,
como se as dobrinhas no abdômen tivessem algum segredo para contar. E tinham.
O resultado foi horrorizante. Talvez pelo fato de serem inanimadas,
as fotos pareciam amplificar todos os defeitos que ele tentava ignorar – e até
alguns que ele realmente ignorava até então. Elas serviram como sal na ferida:
um choque seguido de dormência. Talvez minha
situação não esteja tão ruim, até já me elogiaram mesmo eu tando numa fase
gordinha... E eu arranjei um namorado, não arranjei?
Estavam juntos havia quase quatro anos, e estavam se
preparando para dividir o mesmo teto. Morar em pontos tão distantes de São
Paulo não ajudava a relação, por mais romântico que o conceito de “saudade
cotidiana” possa parecer. Precisavam arrumar logo um ninho e colocar todos os
problemas sob um mesmo teto. Isso, sim, seria romântico.
Saiu da frente do espelho, deitou na cama, olhou mais uma
vez as fotos que havia acabado de tirar e começava a criar um certo orgulho –
se não pelo corpo, pelo menos pela iniciativa de ter tirado fotos nu e não
tê-las apagado de imediato. É, talvez eu
esteja bem, no fim das contas. Talvez eu seja gostoso em alguma subcultura.
O simples pensar na palavra “gostoso” trouxe no mesmo
segundo a imagem de homens brilhando de óleo, com gominhos abdominais e pelos
nos lugares certos. Ah, os publicitários!
Essa era a profissão do namorado, e era a área que ele mesmo havia explorado
nos últimos anos. Quem odeia mais os publicitários do que eles mesmos?
Por que TANTOS
gominhos, meu deus? E pra que o óleo? Parece que eles tão indo direto pro
forno.
Foram necessários todos os resquícios de adolescência e
rebeldia estética que ainda estavam guardados no fundo do ego para praticar
auto-ajuda e afirmar para si mesmo que “ser diferente também pode ser
interessante”. E, lembrando dos homens do seu passado e seus gostos muitas
vezes pouco convencionais, pensou que talvez a soma dos “diferentes” fosse
maior do que o lugar comum.
Arrumou o lençol furado de queimadura de cigarro, abraçou o
namorado.
- Tá tudo bem? – o namorado notou alguma coisa faltando no
outro.
- Tá – mentiu.
Dormiu com o rosto ensaiando um meio sorriso – era pouco
convincente, metade de uma resolução. Pelo menos o sexo tinha sido bom.